terça-feira, 17 de março de 2009

PRESSE



JOSÉ ALBERTO FERREIRA
“O Futebol está a viver acima das suas possibilidades”

O que mais o surpreendeu na crise financeira do Sport Lisboa e Nelas?
A actuação da Polícia Judiciária e dos diversos credores, arrestando os bens do clube e de dois ex-principais dirigentes. Foi a celeridade com que as coisas aconteceram. Todos ouvimos falar que existem salários em atraso, desde a Primeira Liga, à Segunda Divisão, até aos próprios distritais. Penso que o futebol está a viver acima das suas possibilidades, ou seja, aquilo que são as despesas inerentes ao fenómeno desportivo, são muito superiores às receitas geradas.

Há muita irresponsabilidade por parte dos dirigentes?
Há um excesso de paixão por parte dos dirigentes e, muitas vezes, não vivem as realidades como elas são e provocam alguns actos menos reflectidos. Os dirigentes desportivos deviam ser incentivados, mas também deviam ser responsabilizados pelos actos que praticam, de forma a que não pudessem tomar determinado tipo de decisões que hipotecam o futuro das instituições que dirigem.

Porque encontra celeridade no processo de Nelas?
Todos os clubes da Primeira Liga e da Segunda Divisão são obrigados a entregar, no início da época, para fazerem a inscrição, uma declaração de não dívidas ao Estado e à Segurança Social. O Estrela da Amadora (exemplo) teve de fazer isso quando se inscreveu na Liga, em Julho, e os jogadores estiveram sem receber, praticamente até Dezembro. A penhora de receitas não aconteceram de um dia para o outro, houve uma negociação da dívida e imediatamente entrou em incumprimento, ora, não podemos andar numa sociedade do faz de conta.

O Futebol é muito o faz de conta, nesta altura?
Eu penso que sim, em termos financeiros, é de facto e, infelizmente, e todos os dias sabemos de mais um caso, as coisas acontecem com uma rapidez e com uma frequência que não é normal no fenómeno desportivo.

O que fez a Associação de Futebol de Viseu (AFV) quando se soube que havia jogadores do Nelas a dormirem debaixo das bancadas?
Eu sei que foram encontrados objectos indiciadores de que haveria vida para além do futebol, nas bancadas do Nelas. Agora, a associação não pode intervir, o estádio é propriedade da Câmara Municipal [de Nelas], a associação até pode ser acusada de prolongar esta situação, porque, para não penalizar um associado nosso, lá íamos adiantando alguns meios financeiros.

Quantas vezes evitou que o Nelas tivesse sido impedido de jogar?
Pelo menos uma meia dúzia de vezes, à ultima da hora, à sexta-feira, aconteceu, para que no domingo seguinte… e durante algum tempos suportámos as taxas dos jogos, porque se o comunicássemos à Federação [Portuguesa de Futebol], no domingo, seguinte a equipa não jogava.

A AFV não pode ter ajudado à crise?
A situação era-nos apresentada como uma crise pontual, como uma diferença entre o recebimento e as necessidades de pagamentos, temos que ter algum bom senso nisto, sabendo que temos que tratar os clubes da mesma maneira e temos 117 clubes inscritos na Associação de Futebol de Viseu.


Quantos clubes do distrito de Viseu estão em situação idêntica à de Nelas?
Relativamente à Associação de Futebol de Viseu, sem querer estar a branquear o que quer que seja, tirando o caso do Nelas e de um ou outro caso pontual, a situação não é alarmante, a generalização a nível nacional não se aplica na Associação.

Porquê?
Temos poucos clubes a disputarem o futebol nacional, temos seis clubes na Terceira Divisão, dois clubes na Segunda Divisão e, a nível distrital…

Quando há clubes que pagam mais que os nacionais, se calhar, podem começar a surgir situações dessas?
Diz-se que pagam, não sei se pagam.

O que se passou em Nelas pode levar ao afastamento dos dirigentes de outros clubes?
Tenho esse receio e é uma questão que me preocupa há muito tempo. Eu regozijo-me quando vejo nas assembleias gerais da Associação de Futebol [de Viseu] gente nova que não tem tantos cabelos brancos, porque há uma crise ao nível do dirigismo. Mas esta situação de verem a sua vida pessoal e profissional beliscada pelo facto de estarem inseridos no fenómeno desportivo, pode levar as pessoas a pensarem se vale a pena estar… Por outro lado, isso também pode levar a que os dirigentes se comecem a mentalizar que não há nada que lhes dá o direito de tomarem as decisões que quiserem sem estarem sujeitos a qualquer tipo de penalização.

E incutir a ideia: “só podes ter a equipa de futebol para a qual tens dinheiro”?
Isso era fundamental, as pessoas sonham e às vezes, esses sonhos não são acompanhados das realizações. O fenómeno desportivo está demasiado caro, mesmo a nível regional.

Tem tido uma grande ajuda das autarquias?
As autarquias têm sido o grande motor do desenvolvimento desportivo, porque contribuem com infra-estruturas, com meios financeiros que poderão não ser utilizados para os fins que foram dados.

Por exemplo?
Desviados das camadas jovens para a equipa principal.

As autarquias não têm tido a responsabilidade de alimentar estas situações dos clubes, podendo, ao contrário, assumir um papel regulador?
Eu penso que as autarquias têm aconselhado, da mesma forma que nós o fazemos, os dirigentes desportivos a acautelarem-se e a acautelarem o futuro das instituições, só que, muitas vezes, mais do que a razão, a paixão é mais apelativa e as pessoas não se dão conta que estão a tomar decisões complicadas.

Que futuro prevê para o Futebol em distritos como Viseu?
Eu costumo dar o exemplo do alfobre, ninguém consegue plantar uma horta, sem previamente plantar o alfobre e os clubes terão que apostar na formação para daí retirarem os atletas nos diversos escalões.

Ouve-se isso há muitos anos.
Nós temos clubes no distrito que só fazem formação e que são o caudal que alimenta muitos clubes, estou-me a lembrar do Repeses, dos Craques… apostam exclusivamente na formação e têm saído valores quer a nível nacional, quer a nível local. Todos os clubes têm que apostar na formação.

“Arranja-se um contrato para a mãe e o filho fica a jogar à bola”

Como vê o fenómeno jogadores estrangeiros?
Eu fico um pouco atónico quando na televisão ou mesmo nos locais desportivos e vejo entrar em campo, uma equipa que se diz portuguesa e têm lá um português, ou, às vezes, nenhum. Isso preocupa-me. O facto de termos de importar brasileiros para a nossa selecção é fruto de tudo isso.

Não concorda?
Alguns deles são uma mais valia para selecção, agora, não podemos fazer uma selecção com 11 estrangeiros que ficaram cá, quando temos equipas que trabalham tão bem a formação a nível nacional. Começam também nesta altura a vir muitos estrangeiros para as equipas jovens, o que é um erro.

Devia ser proibido?
Devia e, de certa forma, está limitado, mas nós somos peritos em tornear as situações. Arranja-se um contrato para a mãe, para o pai e o filho fica a jogar à bola. Mas nós hoje somos um país de imigrantes, importamos gente para trabalhar e, não seria correcto da nossa parte impedir os filhos dos imigrantes de estarem integrados no fenómeno desportivo.

Mas há miúdos contratados no Brasil para virem jogar Futebol.
Isso é um erro e devíamos acabar com essa situação.

Na equipa do Viseu Futsal, a maioria dos atletas é brasileira. Isto faz sentido?
Não. Não é só o caso do Viseu Futsal, é um fenómeno nacional.

Que espaço fica para os jovens portugueses que querem praticar Futsal?
Devíamos ter um limite máximo de jogadores a inscrever, senão acontece as equipas de topo a nível nacional de Futsal terem também só brasileiros.

Não há nada a fazer?
Enquanto as leis se mantiverem assim… tem a ver com a globalização do Futebol.

O crescimento do Futsal é uma mais valia ou traz complicação em termos de organização?
Por um lado, é uma mais valia, porque o fenómeno desportivo é mais alargado em termos distritais, agora, causa problemas terríveis em termos de organização. Apesar da multiplicação de espaços, em termos de pavilhões, eles já não são suficientes e já é uma carga de trabalhos aos fim-de-semana, para organizar todas as provas desportivas…

Qual é a solução?
No futuro, é começar a fazer jornadas durante a semana, porque não acredito que haja condições para um crescimento das infra-estruturas desportivas e a única forma de o fazer é maximizar a sua utilização ao longo da semana.

Os clubes estão disponíveis?
Já se falou. Os atletas estão mais disponíveis para jogar ao fim-de-semana, mas treinam durante a semana para jogar ao fim-de-semana e, como os jogos são feitos depois do horário laboral, é possível arranjarmos um calendário que vá das 20h00 até às 23h00.


“Houve prevaricação, logo tem que haver condenação”

Alguns clubes do distrito dizem-se perseguidos porque são da Associação de Futebol de Viseu e que a associação não tem força junto do Conselho de Arbitragem e da FPF. Reconhece legitimidade nestes desabafos?
O papel da Associação de Futebol de Viseu não é ir junto do Conselho de Arbitragem dizer: “queremos”. Aquilo que fazemos, de forma sistemática, é dizer que queremos árbitros isentos, nós não queremos que os árbitros venham aqui beneficiar os nossos clubes.

Os clubes também não pedem isso, pedem é para não serem prejudicados.
Não acredito que haja corrupção na arbitragem a nível distrital.

Quando vai aos jogos, sente que, quando as equipas de Viseu defrontam as congéneres de Aveiro, por exemplo, o árbitro depende mais para um lado?
Eu tive oportunidade no ano passado de ficar bastante indignado com um árbitro que arbitrou no Fontelo o Académico de Viseu - Arouca e tive oportunidade de fazer chegar a minha voz onde o devia fazer. Também tive oportunidade de dizer que o Académico não ganhou nesse dia só por culpa do árbitro.

Então os treinadores têm razão.
Há erros. É evidente que, às vezes, há situações que parecem atitudes deliberadas e erros premeditados, a nós que estamos por fora e vemos as coisas com alguma paixão. Eu não queria entrar por aí.

Como está o caso dos árbitros apanhados por alegadamente terem sido corrompidos por dirigentes?
Pelo menos disseram-nos que iríamos receber brevemente o resultado de um dos casos que estará em final de resolução. É evidente que já deveríamos ter actuado do ponto de vista desportivo, mas não queríamos estar a tomar decisões que depois não fossem consentâneas com as decisões da justiça.

Podem estar a falsear a verdade desportiva.
Eu gostava que as coisas já estivessem resolvidas, mas, do ponto de vista jurídico, há justificações que não sou capaz de rebater.

E de compreender?
Há vezes é mais difícil de compreender, de qualquer maneira, todos vemos que a nossa justiça peca por aplicação tardia. Neste caso, a justiça desportiva não deveria, porque uma das suas características é que é oportuna. Isto é uma coisa que nos surpreendeu a todos e, pela novidade e pela surpresa que causou, talvez nos deixasse um pouco embaraçados e não tivéssemos actuado com a celeridade que devíamos e, aí a nossa meia culpa.

Acredita em condenação?
Houve prevaricação, logo tem que haver condenação. Estará para breve uma tomada de decisões, passou um ano e cinco meses sobre os acontecimentos, já é muito tempo, mas brevemente as coisas irão ser tratadas convenientemente.

Foi ouvido?
Não, porque não fui um interveniente directo passou mais pelo conselho de arbitragem e o vice-presidente, que está mais com estas situações, foi ouvido e penso que foi bem ouvido, bem como o presidente do conselho de arbitragem.

Podemos ter dirigentes e árbitros irradiados?
Se isso estiver previsto no regulamente, de certeza absoluta que sim.

E se não der em nada?
Acredito piamente que vai dar alguma coisa, apesar dos valores envolvidos serem irrisórios, houve tentativa de falseamento da verdade desportiva e nós não podemos deixar passar uma situação dessas.

Se não der em nada pode demitir-se?
Ponderava essa situação. Acho que depois de um caso destes passar sem qualquer tipo de penalização, era a descredibilização do Futebol. Ponderava se valia a pena continuar a defender uma causa tão nobre que é o desporto.

“Viseu perde [com o desaparecimento da Terceira Divisão]”

Qual é a posição da AFV sobre as eventuais alterações aos campeonatos de que se tem falado?
São razões de natureza meramente economicista. Isto, é transferir para as associações o ónus das arbitragens, porque a Federação Portuguesa de Futebol tem um défice com a arbitragem de mais de três milhões e meio de euros. Por outro lado, o facto de se tentar acabar com a terceira divisão é uma tentativa de aproximar o futebol, de criar mais derbis regionais e uma maior interacção entre os clubes que jogam próximos e, aos fins de semana, as pessoas se deslocassem de forma rápida e acabarem com o deserto do espectáculo desportivo.

Esse argumento só, não é valido.
Mas passa sobretudo por abandonar a régua e o mapa e tentar uma maior proximidade entre os clubes. O que não é fácil, porque há sempre zonas de fronteira e acho que, na próxima época, ainda vai continuar da mesma maneira.

O que vai acontecer aos clubes da Terceira Divisão?
Vão disputar os campeonatos a nível distrital e depois vão fazer uma pul regional para subirem directamente à Segunda Divisão.

As equipas que hoje estão na Terceira Divisão desceriam todas ao campeonato distrital?
As que não conseguirem subir à Segunda Divisão descem aos distritais em 2010/2011.

Viseu ganha ou perde?
Viseu perde. Vai ser muito mais difícil levar uma equipa à Segunda Divisão, porque vamos ter que competir com Aveiro e com o Porto, se a régua e o esquadro continuarem a manter-se. A posição da Associação de Futebol é que: para se acabar com a Terceira Divisão devia alargar-se a Segunda Divisão a pelo menos três séries de 16 clubes.

A discussão vai ser longa.
Há muita discussão para se fazer.

Um ano depois de selecção nacional ter estagiado em Viseu, o que ficou para a cidade?Ficou em Viseu uma maior vontade para o Futebol. Também houve algumas expectativas defraudadas, mas, em termos regionais ganharam-se mais adeptos, mais praticantes e uma maior vontade de praticar desporto, sobretudo futebol.
ed. 365, 13 de Março de 2009

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