Um "jogo" vergonhoso
Num simulacro de partida de futebol, a Belenenses SAD entrou em campo com nove jogadores - dois deles guarda-redes - e o Benfica marcou sete golos na primeira parte. Para o segundo tempo, só sete futebolistas da equipa da casa voltaram ao relvado, saindo um deles por lesão e terminando uma espécie de jogo que deve entristecer quem gosta de futebol e expõe, uma vez mais, as fragilidades do desporto em Portugal
27.11.2021 ÀS 23H46
Para tristeza dos seus amantes em Portugal, o nosso futebol continua a destacar-se pela sua capacidade de produzir momentos que entram na história pela negativa. No Jamor, deu-se uma situação que deve envergonhar os responsáveis pelo futebol nacional, expondo internacionalmente as dificuldades estruturais de uma Liga que se vê incapaz de evitar este tipo de episódios. E o que sucedeu no estádio nacional foi uma página negra da modalidade.
As horas anteriores ao duelo ficaram marcadas pela incerteza. Soube-se que havia um surto de Covid-19 na Belenenses SAD, com 17 casos - afetando 14 futebolistas - confirmados na manhã do dia do encontro. Cafu Phete, internacional pela África do Sul, regressou do seu país na quinta-feira, 18 de novembro, e o presidente da Belenenses SAD afirmou "ter de ser considerada" a hipótese de se tratar da nova estirpe do vírus, acrescentando uma nova preocupação à situação.
Rui Pedro Soares, máximo responsável da Belenenses SAD, anunciou também, no começo da tarde anterior ao jogo, não ter pedido o adiamento do embate. À medida que a hora marcada para o apito inicial se ia aproximando, ficou evidente que, no Jamor, se viveria um episódio triste.
O presidente da Belenenses SAD havia dito que o seu plantel tinha 38 jogadores e que "confiava em todos", mesmo que os testes PCR feitos durante a tarde trouxessem mais positivos ou houvesse mais atletas a serem obrigados a realizar isolamento profilático pelas autoridades. E foi isso que aconteceu.
Poucos minutos antes do arranque do jogo, surgiu a notícia: o Belenenses SAD entraria em campo com nove jogadores, entre os quais dois guarda-redes e só três futebolistas que já tinham somado minutos na I Liga na presente temporada. E foi assim, sem qualquer treinador no banco, que a equipa da casa disputou o "jogo".
Se a mera fotografia prévia ao apito inicial já funcionaria como postal de vergonha internacional para o futebol luso, o que se sucedeu nos minutos seguintes acentuou essa triste imagem. Nove bravos jogadores do Belenenses SAD a sofrerem perante uma situação na qual eles eram os menos culpados, num "jogo" que nunca foi um jogo.
Antes do primeiro minuto já o Benfica estava na frente, graças a um auto-golo de Kau, e à medida que o tempo ia passando a vantagem dos visitantes foi-se ampliando de maneira natural.
Perante uma equipa da casa sem treinador no banco, com seis futebolistas a estrearam-se na I Liga nesta temporada e um guarda-redes como jogador de campo, Darwin fez três golos, Seferovic dois - um de penálti - e Weigl também somou um tento.
Poucas vezes as balizas do mítico estádio do Jamor terão conhecido golos tão tristes, tão despidos de sentido, tão vazios de razão. Golos que, em antítese do que costumam ser, eram envergonhados episódios, constrangidos por fazerem parte de um penoso espectáculo.
Do lado de fora, jogadores do Belenenses SAD como Afonso Sousa iam manifestando a sua indignação. Rui Pedro Soares foi para os balneários em lágrimas e o intervalo foi uma espécie de pausa numa comédia trágica.
O Benfica veio para a segunda parte com cinco substituições feitas, mas a demora da equipa da casa em voltar para a etapa complementar denunciava que algo se passava. Para o segundo tempo, Calila e António Montez ficaram no balneário, só regressando sete futebolistas.
Logo após o apito do árbitro, João Monteiro chutou a bola para longe e sentou-se no relvado. Tendo de sair por lesão, o Belenenses SAD ficava abaixo do número mínimo de jogadores necessários para disputar um encontro, apitando Manuel Mota para o final ao minuto 47.
A caminho dos dois anos de começo desta pandemia, o futebol português continua sem apresentar mecanismos claros que evitem episódios nefastos. Que impeçam situações que oscilam entre o ridículo e o vergonhoso, tornando quase em comédia a tentativa de fazer desta Liga uma competição ao nível das melhores do mundo.
Após a noite do Jamor muitas culpas serão apontadas entre dirigentes sempre eficazes na arte da desresponsabilização, mas isso só servirá para fomentar um espectáculo triste transmitido em directo. No Estádio Nacional, a bola chorou, desconsolada por tantos quererem tão pouco cuidar do seu bem.
Sem comentários:
Enviar um comentário