Num jogo de futebol, muitas vezes é ténue a linha que separa quem perdeu de quem ganhou, naquilo que são os méritos e deméritos de cada equipa. Porque para haver vencedores, é preciso que haja derrotados, embora isso nem seja assim tão linear. Se um equipa com a capacidade de um FC Porto e com todos os principais elementos em campo, perder com um emblema do Campeonato de Portugal em casa, a a culpa da derrota é mais do FC Porto que do adversário.
Mas neste campeonato ganho pelo FC Porto, parece haver uma certa unanimidade que foi o Benfica quem o perdeu. Aproveitou e bem Sérgio Conceição para vencer dois campeonatos em três épocas no FC Porto e colocar um travão na tão falada hegemonia do Benfica.
Quando, à 19.ª jornada, o Benfica ostentava sete pontos de vantagem sobre o FC Porto, após um percurso quase imaculado, poucos acreditariam que seria possível a equipa 'encarnada' não revalidar o título. As 18 vitórias conquistadas em 19 possíveis deixava claro essa superioridade do Benfica no campeonato, apenas manchado pela derrota na Luz frente ao FC Porto, logo na 3.ª ronda.

Benfica-Famalicão
Pizzi converte uma grande penalidade créditos: @ MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Mas comecemos pelo início. O FC Porto entrou nesta edição 2019/2020 da Liga com a missão de recuperar o título perdido na época passada, quando também chegou a ter sete pontos de vantagem sobre o Benfica e viu o maior rival de sempre fazer a festa no final. A derrota logo na jornada inaugural frente ao Gil Vicente não augurava nada de bom.
Os reforços tinham chegado tarde, Sérgio Conceição ainda estava no processo de integração dos nos jogadores: Marchesín, Saravia, Marcano (este não precisava tanto porque tinha estado duas épocas antes no Dragão), Matheus Uribe, Shoya Nakajima, Zé Luís e Luis Díaz. Sete reforços para tentar colmatar as saídas de Éder Militão, Felipe, Maxi Pereira, Herrera, Óliver Torres, Brahimi, Hernâni, Adrián Lopez, André Pereira e Fernando Andrade. Demasiadas mudanças de uma época para outra.
A eliminação precoce na Liga dos Campeões (3.ª pré-eliminatória) frente ao modesto Krasnodar (vitória 1-0 na Rússia e derrota 3-2 no Dragão) e a perda dos muitos milhões (no mínimo, 44 ME; na época anterior tinha faturado 78,4 ME na prova) deixaram Sérgio Conceição com pouca margem de manobra, num ano em que a administração fez um esforço financeiro enorme (63,2 ME em contratações) para lhe dar os reforços que pediu, de forma a ter a equipa na fase de grupos da Liga dos Campeões e lutar pelos títulos em Portugal.
Com o triunfo na Luz por 2-0, de forma categórica, o FC Porto igualava o rival na tabela mas os empates fora, primeiro com o Marítimo e depois com o Belenenses SAD, deixava escapar o rival na liderança, por quatro pontos.
As exibições na Liga Europa também não ajudavam. Apenas na derradeira ronda da fase de grupos a equipa conseguiu o apuramento para a fase seguinte, num grupo com Rangers da Escócia, Young Boys da Suíça e Feyenoord da Holanda. A queda logo na primeira fase a eliminar, com duas derrotas ante os alemães do Bayer Leverkusen (2-1 e 3-1), fazia aumentar ainda mais as críticas a Sérgio Conceição.
E quando o FC Porto perdeu em casa com o SC Braga por 2-1 e viu a liderança ficar a uns longínquos sete pontos, os azuis-e-brancos sabiam que tinham de rezar por várias escorregadelas do Benfica para alimentar o sonho do título.

FC Porto vs SC Braga
Frustração de Corona após uma oportunidade falhada créditos: LUSA

A recuperação começou a 08 de fevereiro, com nova vitória sobre os campeões por 3-2 no Dragão, num jogo que marcou também o início da crise do Benfica. Ainda assim, os 'encarnados' saíram do Dragão com quatro pontos de vantagem na liderança. Só que entraram numa onda de resultados negativos até o despedimento do técnico Bruno Lage, o grande responsável pelo título de campeão na época anterior.
Na 24.ª jornada, mesmo com o empate caseiro frente ao Rio Ave (cinco pontos perdidos em casa), os 'dragões' continuavam líderes da prova. Isto porque o Benfica perdeu em casa com o Braga, empatou fora com o Vitória de Setúbal e voltou a empatar na Luz com o Moreirense, somando apenas cinco pontos em 15 possíveis. De menos sete pontos, os 'dragões' passavam a ter um ponto de vantagem na liderança em apenas cinco jornadas.
Quando a Primeira Liga foi interrompida no início de março, devido a pandemia de COVID-19, a liderança do FC Porto estava preso por um ponto. Vários comentadores viram na interrupção um fator positivo para o Benfica, uma equipa à procura dos seus melhores momentos e confiança perdida. O embalo do 'Dragão' sofria um revés e seria preciso esperar quase três meses para se voltar a ter futebol nos estádios portugueses. Mas tudo seria diferente.
A falta de público teve um efeito negativo nas equipas, principalmente no FC Porto e Benfica, formações que enchem os respetivos estádios com 50 e 60 mil espetadores e que lotam os campos adversários, fazendo com que os jogadores se sintam em casa quando jogam fora.
Foi nessa base que o FC Porto regressou à prova com o 'pé esquerdo', perdendo na deslocação ao terreno do Famalicão. O Benfica podia ter aproveitado para reassumir a liderança isolada do campeonato mas empatou com o Tondela e apanhou os 'dragões'.
Quando o FC Porto empatou a zero bolas com o último, o Desportivo das Aves, o Benfica finalmente aproveitou e bateu o Rio Ave, voltando a igualar os 'dragões' na liderança. Mas depois vieram as derrotas seguidas com Santa Clara na Luz e Marítimo fora, aproveitadas pelo FC Porto para colocar a vantagem em seis pontos.

FC Porto
Mbemba fez o único golo da partida frente ao Paços de Ferreira créditos: Liga Portugal

Bruno Lage caiu após a derrota na Madeira, ficou Veríssimo a 'aguentar o barco' até ao final da época no Benfica, equipa que voltou a cair para confirmar o que já se esperava: o Benfica não quis este campeonato, o FC Porto agradeceu e agarrou o 'caneco', mesmo que o tenha deixado 'cair' em duas ocasiões'. Entre a 20.ª e a 31.ª jornadas (12 jogos), o Benfica perdeu quatro, empatou cinco e venceu apenas três.
Depois de ter reassumido a liderança, na 22.ª jornada, após empate do Benfica com o Moreirense,  o FC Porto perdeu sete pontos até a 32.ª jornada. Em condições normais e tendo em conta as últimas épocas, o rival lisboeta podia ter aproveitado os três deslizes (dois empates e uma derrota), para voltara  passar para a frente. Mas não foi isso que aconteceu.
De recordar que na época passada o Benfica terminou à frente do FC Porto com apenas dois pontos. Após reassumir a liderança da prova com a vitória por 2-0 no Dragão, o Benfica empatou na ronda seguinte com o Belenenses SAD e depois somou nove vitórias seguidas até ao título, com o FC Porto sempre à espera de um deslize para reassumir o comando.
Em 2017/2018 o FC Porto foi campeão com sete pontos de vantagem sobre o Benfica, num título confirmado na 33.ª ronda, após o empate no dérbi lisboeta entre águias e dragões.
O tetra do Benfica, em 2016/2017, foi conseguido com seis pontos de vantagem sobre o FC Porto. No ano anterior, em 2015/2016, o Benfica tinha chegado ao tricampeonato depois de terminar a época com 12 vitórias seguidas na Liga, com o Sporting sempre à perna, desde a jornada 25, quando os 'encarnados' passaram para a frente da prova, com a vitória por 1-0 em Alvalade. Terminariam com 88 pontos, mais dois que o Sporting.

Na época 2014/2015 o Benfica seria novamente campeão mas apenas na derradeira ronda confirmou a festa, já que o FC Porto, vice-campeão, terminou com menos três pontos.
Esta época, as vitórias em casa dos rivais Benfica e Sporting, algo que não se via há 17 anos (na mesma época), e os triunfos somados em todos os dérbis e clássicos disputados até então, explicam também o sucesso dos azuis-e-brancos neste título, o 29.º da história do FC Porto.
A nível individual, destacar Alex Telles, curiosamente o segundo melhor marcador dos 'dragões' no campeonato, com 10 golos, menos um que Marega. Ao todo, 15 jogadores marcaram para os 'dragões' na prova, o que demonstra a capacidade da equipa em marcar por qualquer atleta. Corona, com nove assistências (até a 32.ª jornada), também foi importante, numa época em que assumiu grande protagonismo na equipa, atuando tanto como lateral direito, como extremo, como médio e como segundo avançado.
Sérgio Conceição consegue assim dois títulos em três possíveis, em três anos de restrições orçamentais, com o clube a ter de cumprir limitações da UEFA por ter violado o fair-play financeiro.